Diante da crise econômica, social e política que a Venezuela vem enfrentando, o Brasil tem recebido inúmeros cidadãos daquele país. Eles têm migrado para vários estados como Roraima, Pará, Amazonas, Ceará, dentre outros destinos. Em Fortaleza, não há estatísticas precisas, mas vários venezuelanos estão vivendo na cidade, enfrentando inúmeras dificuldades como regularização de documentação, moradia, emprego, educação para as crianças, acolhimento de forma geral.
Muitos dos venezuelanos
tem se dirigido ao Serviço Pastoral do Migrante, uma ação específica da Igreja Católica
existente há 35 anos, que oferece um serviço de acolhida aos migrantes e
refugiados, além de prestarem informações sobre documentação necessária para se
regularizarem, indicação de postos de trabalho, além de ajuda humanitária, mas ainda
é não é suficiente para atender às demandas de tantas pessoas que estão optando
em morar em Fortaleza, sejam eles de outras cidades, estados ou países.
A irmã Idalina
Pellegrini, da Congregação Missionárias Scalabrinianas, explica que no Ceará não
existem políticas públicas direcionadas para os migrantes, diferentemente de
São Paulo que já consolidou iniciativas em favor dessa parcela da população.
Ela, juntamente com outras irmãs, estão na Arquidiocese de Fortaleza desde
1995, a convite do Arcebispo Dom Aluísio Lorscheider, e junto a leigos
voluntários, coordenam o serviço Pastoral dos Migrante. Relata que, entre os
anos de 2010 a 2013, nosso Estado também recebeu muitos estudantes africanos,
com a promessa de um custo de vida barato e que se defrontaram com uma
realidade diferente da que foi anunciada para eles.
A missionária informa
que “No ano de 2018, intensificou-se a chegada de venezuelanos. A Pastoral do
Migrante acolheu mais de 45 pessoas que chegaram sem nenhuma referência, mães
grávidas com crianças, necessitando de moradia, alimentos, escola e orientação.
Na cidade muitos outros se estabeleceram com seus próprios recursos”, comenta. Em alguns casos, recebem cestas básicas e
bolsa família. Alguns conseguiram
emprego, outros não. Irmã Idalina ressalta ainda, que alguns venezuelanos tem
diploma superior e elevada qualificação, mas diante da dificuldade de emprego, eles
tem exercido funções como vendedor ambulante, pedreiro, auxiliar de pedreiro, motorista,
cozinheiro, faxineiro, entre outros, para conseguirem efetivamente uma
oportunidade de trabalho, muitas vezes temporário.
Conversamos com José
Pinheiro Castillo, natural de Caracas, engenheiro de informática, mora no
Brasil desde 2016, residente em Fortaleza a partir de abril de 2018. Ele conta da saga que é sair de Caracas,
passar por Pacaraima em Roraima, dirigir-se a Manaus, onde a dificuldade de
trabalho com carteira assinada é muito maior, e finalmente, chegar em
Fortaleza. Hoje, esse percurso, está durando em torno de 12 dias. Na busca de
uma vida melhor, esse venezuelano, assim como milhares de conterrâneos seus, abrem
mão de casa, emprego, família, sonhos, para tentar uma nova vida no Brasil,
pois a sua terra só traz incertezas e instabilidades. Precisa ter coragem para
sair, mas também precisa ter coragem para ficar lá. De toda forma, aquele povo
tem sido bravo. Advertiu que sua irmã e um sobrinho ficaram morando na casa
deles e cuidando de uma fazenda, pois senão o “governo pode tomar conta dos
seus bens”. Há os comunas, que são “olheiros” que espreitam se os imóveis estão
abandonados para informar ao governo, e este, tomar posse.
Castillo se intitula
apolítico, é avesso a radicalismos e contrário à política econômica implantada
pelo Presidente da Venezuela Nicolas Maduro. Para o governo do seu país, ele é
considerado “traidor da pátria”, assim como todos que foram morar noutro lugar
sem autorização.
Ele já é residente
permanente no Brasil, trabalha atualmente num pequeno mercadinho como
empacotador, mas sonha em colocar um negócio próprio em sua área: assistência
técnica em computadores, conserto de notebooks e impressoras. Também atua como voluntário na Pastoral do
Migrantes às terças e quintas, auxiliando outros venezuelanos, que como ele foi
um dia, não sabem por onde começar. Do engenheiro de informática que atuava em
Caracas ao empacotador do mercadinho em Fortaleza, José Castillho, mantém os
sonhos e a esperança de uma vida melhor.
Há jovens voluntários
que se identificam com a causa dos migrantes. Sandra Cristina Pina Costa e
Lucas Mateus Diniz Miranda participam do “Programa Magis”, um programa nacional
voltado para a juventude no âmbito social e espiritual. Ambos são voluntários
num espaço que acolhe migrantes venezuelanos e constatam que as maiores
dificuldades enfrentadas por eles são um espaço para ficar, estudo para as
crianças e emprego para os adultos. Afirmam que os que chegam até Fortaleza,
vem de Belém ou Manaus, e querem trabalho para se sustentarem. Sandra Cristina
e Lucas Mateus são naturais de outro estado brasileiro e conhecem bem o dilema
de não estar em sua cidade natal, daí o carisma e a missão de acolher pessoas de
outros lugares e nacionalidades.
Uma família formada por
sete pessoas, sendo quatro adultos e três crianças, moram no Bairro Pirambu e
tentam realinhar suas vidas a partir da realidade fortalezense.
Yitza Medina, vinda de
Caracas, reside aqui com seu esposo, Gregory José Medina, seus três filhos que
tem as idades de um mês, dois e nove anos, seu pai, Gerson Medina e seu
cunhado, Angel Hernandes. Todos sem emprego formal, mas esperançosos e ansiosos
por trabalharem e se capacitarem. Uma característica marcante dos venezuelanos
é que eles se qualificam incessantemente. Yitza é administradora de empresas
com especialização em comércio exterior, mas já fez cursos de confecção de
bijuterias, bordados em sandálias, manicure, decoração de festas, além de falar
espanhol (sua língua pátria), inglês e está matriculada num curso gratuito de
português. Paga o transporte para se deslocar para o curso de português com as
bijuterias ou outra arte que tenha feito na semana. Apesar de tanta
qualificação, ela se dispõe a trabalhar em qualquer área, inclusive fazendo unhas,
faxina e arrumação de casas. Não se sente inferior por aceitar qualquer tipo de
trabalho. Parece que se habituou a grandes enfrentamentos e está sempre
disposta a aprender mais. A maternidade não é um empecilho quando se pergunta
como ela fará para trabalhar com três crianças em casa. Ela responde que junto
com o esposo Gregory, se revezariam, sem falar que as crianças maiores já estão
matriculadas numa creche perto de casa. Durante a entrevista, Yitza amamentou
Valentina de um mês de idade, uma bebê brasileira, que complementa essa família
de obstinados. Conclui que pretende revalidar seu diploma de graduação e
especialização e não vê a hora de voltar a trabalhar.
Angel Rafael Hernandez,
é casado com a irmã de Yitza, Karen Yuliet Medina, aguarda sua esposa terminar
o curso de Direito em Caracas para trazê-la ao Brasil e tem um currículo de
policial invejável. Realizou curso de treinamento policial, de reação tática do
veículo anti-emboscada, de proteção tática e controle de riscos SWAT, curso
internacional sobre proteção executiva e supremacia em ação, curso de artes
maciais mistas e tantos outros cursos técnicos. Como eu falei anteriormente
acerca dos venezuelanos, Angel Rafael também tem versatilidade para realizar
outras atividades, pois trabalhou como florista, plantou, colheu e vendeu
flores. No Brasil, Angel atuou como ajudante de pedreiro em algumas obras, mas
atualmente não está trabalhando. Ele, diferentemente de Yitza e Gregory, ainda
não entende bem português, o que dificulta mais ainda sua empregabilidade. Quer
atuar na área de segurança, mas não sabe por onde começar.
O esposo de Yitza,
Gregory José Medina, tem formação em gastronomia, conserta telefones celulares
e trabalhou como supervisor de loja de telefonia. Gregory foi o pioneiro da
família a sair da Venezuela, mudar seu destino, ir à Colômbia, passar um ano, mudar
novamente e vir para o Brasil, escolhendo por último, Fortaleza para morar e
trazer a família. Na Colômbia a experiência foi extenuante, trabalhava de 7h30min
às 23h30min e ganhava o relativo a R$ 25,00 por dia. Definitivamente, não
aguentaria. Ele pesquisou e achou que o Brasil fosse uma melhor opção. Mudou.
Viajou. Foi a Manaus, foi a Belém, mas preferiu Fortaleza. Trouxe a esposa, os
filhos, o sogro e o concunhado. Uma nova realidade o esperava, ou melhor, ele
fez uma nova realidade surgir.
Em Manaus, foi à
Polícia Federal, e tirou “carta de refúgio”, uma identidade com validade de um
ano, mas não se adaptaram na capital amazonense. Sentiram-se discriminados,
provavelmente por já existirem muitos migrantes naquela cidade. Escolheram
Fortaleza por ser uma cidade turística e ter mais oportunidades para pessoas
com a sua formação inicial: cozinheiro profissional. Decidido o destino, vieram
ele, a esposa e os dois filhos.
Nesse momento, me
coloquei no lugar deles, lembrei das viagens que fizera, quando chegava cansada
do trajeto. Já tive de pegar ônibus, taxi, uber, ou ter algum familiar
esperando, essa é a melhor das opções disparadamente.
Quando Gregory e Yitza
chegaram na rodoviária, não havia ninguém para recebê-los, não tinham para onde
ir, onde ficar, não sabiam o que iam fazer, nem o que comer. Essa é a realidade
de chegada dos refugiados. Uma completa indefinição do por vir, mas uma luta destemida
pela sobrevivência. Seguiram com R$ 200,00 para viver em Fortaleza. Obtiveram
algumas informações e foram para um abrigo de casais em situação de rua no
Bairro Presidente Kennedy. Sentiram-se acolhidos. Tinham um lugar para dormir e
refeições. Deram graças a Deus e são muito gratos a essa instituição. Passaram
algum tempo nesse abrigo.
Alguns meses se
passaram e hoje conseguiram obter documentos como carteira de identidade e
CTPS. Moram numa casa no Bairro Pirambu, recebem um benefício do bolsa família,
ganham algumas doações de alimentos, e fazem alguns “bicos”. Yitza vende
bijuterias e sandálias com pedrarias, Gregory vende cintos de segurança para
crianças, mas alega dificuldade porque o brasileiro ainda tem preconceito com
esse tipo de objeto, comparando a coleiras de cachorro, e o sogro e concunhado,
conseguem trabalhos como pedreiro e ajudante, esporadicamente.
A família tem vários
sonhos: Gregory quer colocar um carrinho para vender comida venezuelana, Yitza
quer trabalhar na área de comércio internacional, e Angel Rafael, que foi da
Polícia Nacional da Venezuela, pretende trabalhar na área de segurança. O sogro
pretende trabalhar como pedreiro e ter uma qualidade de vida melhor. Enquanto não conseguem exercer suas profissões,
aceitam trabalhar em qualquer ramo, de ajudante de pedreiro (eles) à administração
de empresas (ela).
Segundo informações do
Ministério da Justiça, constantes no site institucional, o fenômeno migratório
teve início em 2017 e 2018. O registro de entrada na Brasil é de quase 331 mil
venezuelanos. Cerca de 199 mil nacionais da Venezuela entraram via
Pacaraima/Roraima, sendo que desse total, 101 mil já saíram do Brasil com
destino à Colômbia ou Bolívia.
Segundo dados de
Janeiro de 2019 do Comitê dos Refugiados, 83.364 solicitações de reconhecimento
da condição de refugiados foram registrados, além de 32.486 pedidos de
autorização de residência, que configura outra alternativa migratória.
Ainda de acordo com registros
do Ministério da Justiça, foi instituída a Operação Acolhida, nas Cidades de
Boa Vista e Pacaraima, que consistem em recepcionar, identificar, triar,
imunizar, abrigar e interiorizar imigrantes venezuelanos em situação de
vulnerabilidade. O processo de interiorização visa levar os imigrantes para
outros estados e regiões do país com o objetivo de diminuir o impacto
socioeconômico em Roraima.
De acordo com dados da Organização
Internacional para Migrações (OIM), o fluxo de interiorização dos venezuelanos
é de 519 por mês. A recomendação para 2019 é que a média mensal atinja 1000
pessoas com o objetivo de desafogar os abrigos em Roraima e possibilitar a
redução da população imigrante em situação de rua, estimada entre 1.200 a 1.500
pessoas.
Dados do perfil
sociodemográfico e laboral dos venezuelanos, fornecidos pelo Conselho Nacional
de Imigração, mostra que 77% deles aceitam deslocar-se para outro estado
brasileiro desde que encontrem condições mais favoráveis no destino, como
oferta de trabalho e vaga em escola para os filhos, por exemplo.
E o Ceará tem sido um dos
destinos, entretanto, essa “acolhida” tem sido feita de maneira rudimentar, sem
planejamento ou política instituída. Os venezuelanos são orientados a irem à
Pastoral do Migrante, que os encaminha para outros órgãos (Polícia Federal,
CRAS, etc.), a depender da necessidade de cada um.
DADOS: MINISTÉRIO
DA JUSTIÇA (Site https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1548246927.64)
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