terça-feira, 30 de agosto de 2022

Óculos sujos ou vista embaçada?


 

Óculos sujos ou vista embaçada

Texto: Jamille Ipiranga

Ilustração: Marcilene Damasceno

Sempre tenho a sensação que as lentes dos meus óculos estão manchadas. E olho para o par alheio e acho que está irritantemente limpo.

Já entrou na lista das obrigações matinais limpar os benditos óculos, mas parece que mesmo eu me disciplinando, nada muda. Continuo com vista turva.

Lembrei do ditado em que o jardim do vizinho é sempre mais verde. Dá certinho: os óculos alheios estão sempre mais cristalinos. Como sempre, a vida imita a arte e a metáfora imita a vida. 

O meu par de óculos e a minha vida são reais e tem horas que estão bem e outras que não vão lá essas coisas. Tudo normal. Da mesma forma, a vida das outras criaturas segue o mesmo curso da balança: horas pra cima, horas pra baixo.

Nem sempre o que eu enxergo é a perspectiva real ou única. Minha visão política, orientação sexual ou religião não são absolutas nem melhores. São só a minha forma de ver, de ser e de crer.

Fácil deduzir então que meus óculos podem estar sujos nalguns momentos, mas noutros vão me dar a melhor visão do mundo. O importante é respeitar todos os pontos de vista, buscando sempre a nitidez do coração e da alma. 

domingo, 3 de julho de 2022

Se nada der certo, nade peito!

Texto: Jamille Ipiranga

Ilustração: Marcilene Damasceno

Engoli água, pernas batiam em mim, pensei que eu ia me afogar. Vi os bombeiros. Sair carregada não era uma opção. Ser desclassificada não estava na lista das metas. Foi aí que eu me lembrei do meu nado de emergência, "nado peito". Mudei para ele. Foquei na respiração. A falta de fôlego permanecia, mas foi aliviada.

Consegui fazer uma volta. Já se foram 250m em mar aberto. Tinha que dobrar a meta. Na rotina normal, 1000m era comum realizar, mas numa competição, o mar muda de figura e a emoção também.

A tábua de salvação era o nado peito. Sempre me acalmou. Voltava a respirar bem. Dava-me segurança. Tornava o impossível, possível. Num mar cheio de desafios físicos e emocionais, receio de estar no percurso errado. Eu respirava e nadava, nadava e respirava. Meu maior trunfo era a persistência. Cheguei na chegada. 

A vida se assemelha a esse momento. Tem horas de angústia, de dor e desespero. Para onde seguir? O que fazer? Para quem contar, ou melhor, com quem contar? Sigo ou levanto a mão desistindo? E se a cabeça não acompanhar a vontade e o corpo falhar? A respiração faltar?

Nade peito. Chame as pessoas em que você confia. Chore e esvazie a mágoa. Nade peito. Durma e acorde melhor. Procure uma terapia. Reze e confie. Nade peito e tenha sempre uma saída de emergência e uma tábua de salvação. Serão muito úteis nos dias de mar agitado e de vida revolta. Vão te ajudar a alcançar a chegada.


terça-feira, 24 de maio de 2022

Música desde deles


Música desde deles

Texto: Jamille Ipiranga

Ilustração: Marcilene Damasceno

LP's, encartes e radiola rodearam a minha infância. Os irmãos mais velhos já compravam seus próprios discos. Sorte minha. Elis, Alceu e Caetano dariam o tom na Rua Frei Teobaldo, 208, no Carlito Pamplona. Já tive alguns endereços, mas esse ficou encantado. Acho que a culpa é da música. 

Além da MPB, o cardápio incluía rock dos Titãs e da Blitz e o samba da Alcione. Todos eles comporiam um grande acervo que só depois eu entenderia que muito me influenciaria, até os dias de "Alexa". Balão Mágico e os Três Patinhos confirmavam que criança também tinha suas preferências. 

Do papai, eu herdei o gosto pelo baião. Sou fã obstinada do Luiz Gonzaga. Aliás, sempre fui. Vez em quando, dançava na sala com meu mentor do ritmo nordestino mais famoso. "Essa menina vai ser forrozeira", profetizada Pedro pai.

Clara Nunes era idolatrada pela mamãe. "Morreu tão jovem". E cantarolava "Feira de Mangaio". Farinha, rapadura e graviola faziam parte da nossa despensa. Mamãe me ensinou que não tinha época para aprender. Sentava de banda na sua cama, ajeitava o violão e dedilhava letras de seresta. 

Voltando para o forró, tivemos momentos quase de despedida. Chegou o tempo em que o amor desafinou. Os discos de Gonzaga saíram de perto de Clara. No dia marcado para papai pegar seu quinhão, eu sabia que a coletânea do Rei do Baião entraria na mala. 

Com meus 12 anos recém completados, senti-me no direito de ficar com o meu LP preferido. Garanti que "Roendo Unha" tocasse por vários anos na nossa radiola e que "Vinvin" cantasse atrás da serra quando o sol tava pra se esconder. No caso dos Ipiranga, não gostar de música nunca foi uma opção.

E dessa forma, entre músicas, influências, sentimentos, despedidas, dores e sons, adquiri um gosto musical peculiar, eclético e genuíno. Dou viva ao baião, ao samba, ao rock e à MPB. Gratidão meus irmãos, obrigada pai, obrigada mãe.

Porque sempre vai existir "um sanfoneiro no canto da rua fazendo floreio para gente dançar" e relembrar os momentos que os sons vão eternizar.



domingo, 27 de março de 2022

Simplesmente agradecer


Texto: Jamille Ipiranga
Imagem: Angeles Balaguer por Pixabay

Estamos sempre no modo "pedir". Pedir saúde, realização dos sonhos, pedir por nós, pelos outros, pedir, pedir...

Quando alcançamos o que queremos, paramos para agradecer?! Nada! Pedimos de novo. Suplicamos aquilo que ainda está na "lista dos desejos".

É preciso uma pausa, um silenciar, um momento de gratidão. O ser humano necessita disso. Reconhecer que foi atendido. Agradecer por tantas bênçãos em sua vida.

Pela vida, pelos sentidos que tiver, pela família que integra, por respirar, pelas dificuldades que nos tornam melhores e mais humildes.

Acionar o modo gratidão é a maneira mais eficaz de sentir-se feliz porque não depende do que virá. Depende de você sentir e saborear. Agradeça, respire e seja feliz.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Ouvindo Pássaros


Texto: Jamille Ipiranga 
Ilustração: Marcilene Damasceno 

Eles teimam em cantar
Assim logo ao amanhecer
Vontade de levantar não dá,
Pois o ânimo é de entardecer.

O estômago meio embrulhado
As lembranças ainda pesadas,
Assim começa um dia calcado
Em decisões a serem tomadas.

A oração vem consolar 
Uma mente sã e pulsante,
Ideias não param de saltar
Sobre situações intrigantes.

Aí eles cantam novamente 
E acalmam qualquer aflição.
Eu vou ouvir calmamente... 
Talvez seja a melhor solução.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Bom dia seu porteiro


Texto: Jamille Ipiranga 
Ilustração: Marcilene Damasceno 

Entramos e saímos das nossas casas, apartamentos, trabalhos, cursos. Nesse ir e vir, há trabalhadores fundamentais para nossas rotinas. Dentre eles, estão os porteiros, os faxineiros e os copeiros. Cometemos a infelicidade, não pouco comum, de sequer cumprimentá-los.

Às vezes, nem os enxergamos. Eles abrem e fecham portas e portões, zelam pelos espaços comuns, servem onde estão, mas nossa cegueira humana nos faz ignorar a importância do que fazem ou mesmo a sua própria existência.

Esses funcionários estão voltados para o cuidado com os outros, com as entregas e encomendas. Limpam os espaços comuns, servem café, água, além de sorrisos e gentilezas, muitas vezes sem serem notados. Quanta dignidade em seu labor!

Transmitem informações sobre o regulamento do prédio, do que é permitido ou não, têm a sabedoria de comunicar o imprescindível ou omitir o desnecessário. O repasse de informes é mal interpretado por alguns. Não se percebe que estão apenas cumprindo suas obrigações.

Não menos importante, alertam os pais sobre a babá grosseira, o cuidado com os furtos na rua ou o presságio de que vai chover. "Melhor não sair ou então levar o guarda-chuva". Ao abrirem e fecharem portas, exercem grande responsabilidade.

Algum dia paramos para pensar como vivem, se moram perto ou longe, se trouxeram almoço ou jantar? Por vezes, nem sabemos seus nomes. Parar um pouco nas portarias, assuntar sobre sua família e trabalho com o cuidado de não os atrapalhar, já seria um excelente começo.

Podemos mudar essa realidade através de um cumprimento discreto ou caloroso, um agradecimento sincero ou a gentileza de um pedaço de bolo para um finzinho de tarde. No mínimo, esses profissionais se sentirão valorizados e servirão com mais amor e dedicação.

Boa dia seu porteiro. O senhor já tomou café?

#paratodosverem: ilustração de porteiro de camisa e gravata azuis, com uma caneta no bolso. Ele está segurando uma pequena cesta com suco, pão, fruta, uma flor e uma mensagem com "Bom dia porteiro". Ele esboça um semblante feliz.