Foto: Beatriz Belchior |
Repórteres: Beatriz Belchior e Jamille Ipiranga
A falta de um dos cinco sentidos fez sobrar dedicação e amor na vida da regente do coral infanto-juvenil Dona Lúcia. Maria de Fátima Carvalho, 26, chamada carinhosamente de Fatinha, perdeu por completo a visão aos sete anos de idade em decorrência da retinopatia da prematuridade, doença ocasionada devido ao parto prematuro, como no seu caso, nascida após apenas seis meses de gestação.
A mãe de Fatinha, dona Lúcia Carvalho, 61, inspiração para o nome do coral, conta que o interesse da filha pela música surgiu ainda muito cedo, sempre cantando com alegria pela casa. A mãe fala com emoção sobre o trabalho feito por ela. “Eu sinto que a luz que faltou nos olhos dela, tá em sobra quando ela mostra o mundo para as pessoas. Ela não vê o mundo, mas ela mostra pra gente bem direitinho”, pontua a mãe, com orgulho.
Fatinha teve seu primeiro acesso de aprendizado na música também aos sete anos, após a perda da visão, logo que entrou no Instituto dos Cegos e teve contato com a flauta doce, seu instrumento xodó. Mas não parou por aí. Ao longo dos anos, Fatinha continuou a buscar mais da música, mostrando seu dom com outros instrumentos e com sua voz. Amante da arte, Fatinha não se convenceu dos limites, formou-se em Teatro pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), e atualmente está cursando mestrado em música na mesma Instituição.
Durante sua graduação em Teatro, Fatinha recebeu a missão de desenvolver um projeto social para apresentar em uma das disciplinas do curso. Era período natalino de 2015, e ao assistir a apresentação do coral de crianças no Natal de Luz da Praça do Ferreira, Dona Lúcia sugeriu que a filha formasse um coral com as crianças do bairro Aerolândia, onde residem. Fatinha relutou em por em prática a ideia, pois achava que não seria possível ensinar crianças que não fossem cegas como ela, mas foi impulsionada pela mãe a pelo menos tentar. “A gente começou de repente, com a ideia de tentar mudar um pouco a realidade das crianças aqui do bairro, mas foi um desafio. Eu não me achava capaz de dar aula para crianças que enxergavam. “Logo eu que não vejo nada. Foi realmente uma quebra de barreiras para mim”, afirma Fatinha.
O projeto começou com oito crianças e hoje, após quatro anos de existência, esse número quase quadruplicou. Fatinha conta que além de sua mãe, as crianças foram as maiores incentivadoras para a continuidade do Coral. “Tia, bora continuar, aí fizemos dia das mães... Tia, bora continuar, aí fizemos o dia das crianças... Tia, bora continuar, aí fizemos outro natal”, relembra entusiasmada.
“Cada criança que eu tenho aqui é um pedaço do meu coração. Elas me amam igual, são como se fossem minha família. “Às vezes as pessoas reclamam: por que tu gasta tanto com essas crianças sem ter condições? Simplesmente porque as amo e a gente não abandona a família”, conclui Fatinha.
As crianças que participam do coral tem entre 4 e 14 anos e tem motivações diversas, desde gostar de música, se divertirem ou ter sido incentivadas por outras crianças que já participam do projeto.
Fatinha, a regente, é tia da Sofia Lima, 9, que se sente orgulhosa da regente, e diz que quando viu a tia cantando, também quis cantar. Galinha pintadinha foi a primeira música que ela se inspirou e está no coral desde a sua criação.
As músicas e as professoras motivam Marcos Vinícius, 11, a tocar flauta e cantar no coral, mas ele diz que quer, na verdade, é trabalhar e ganhar dinheiro.
Rayanne Santos, 13, comenta que diminuir a timidez de cantar e aprender coisas novas é o que a faz participar do coral. Já para Mayara, 8, que entrou aos 6 anos de idade, quando indagada sobre o que ela acha de cantar e tocar flauta, ela afirma: “os dois são minha vida”. Finaliza dizendo que no coral dona Lúcia eles têm amor.
Sob a ótica de Késia Cavalcante, 10, que foi trazida por uma amiga: “Aqui eu tenho várias amizades, posso aprender a tocar algum instrumento e é bom para eu cantar, pois canto na igreja. Eu achei bem legal porque aqui é de graça, dá lanche, a tia Fatinha ensina a gente a cantar, tocar instrumento, e quando a gente erra alguma coisa, ela ajuda a melhorar os nossos erros.” Késia finaliza explicando que o próximo passo é aprender a tocar piano.
Aos quatro anos, Maria Eduarda conta que gosta de cantar “Borbuletinha” e vem acompanhada da mãe e de Miguel, de 6 anos. A influência de uma criança sobre outra fica clara nos depoimentos.
Vitória Cordeiro, 12, que sonha em ser modelo, é uma das mais “antigas” no coral, pois está desde os 5 anos. Afirma que estar no coral a faz feliz e se sente bem em ver a felicidade da Fatinha, regente do grupo. E sobre ela resume: “Ela faz tudo por nós”.
Rosália Cordeiro, é a mãe da Vitória, que participa desde os 5 anos. Percebe-se que tem muito orgulho da filha integrar o grupo, elogiando a Fatinha, pois afirma que a regente traz a alegria por onde passa, e se sente realizada pela participação da filha que não falta às aulas.
Maria Gabriele, 11, conta que entrou logo no início da formação do coral. Saiu uma vez, mas voltou.“Nas fotos, eu estou em todas e meu maior sonho é ser cantora”, fala com firmeza e alegria.
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